//

Black Hole

CapaAutor: Charles Burns
Editora: Jonathan Cape

Para produzir os 12 números que constituem este belíssimo volume de capa dura e 368 páginas (!), Burns demorou cerca de 10 anos; criando assim uma BD complexa que exige uma leitura atenta, para que não se perca nenhuma das várias camadas narrativas que a tornam tão especial. O processo foi moroso mas valeu a pena, esta edição foi dos títulos mais incensados pela crítica especializada (e não só, até apareceu no suplemento 6ª do DN) nos balanços de 2005.
Black Hole é muitas vezes descrito como uma história de terror, mas é uma classificação muito redutora para uma obra que captura a essência da adolescência e a mistura com alguns elementos de horror. Burns pegou numa pequena comunidade suburbana, da zona de Seattle dos anos 70, e juntou-lhe uma incrível doença sexualmente transmissível: "the bug". Não sendo fatal, esta patologia produz sintomas que não são debilitantes, mas estigmatizantes. Num caso aparece uma cauda, noutro, uma segunda boca situada no pescoço ou vesículas monstruosas que recobrem o corpo inteiro. Esta doença parece só afectar os adolescentes locais, e os que têm sintomas muito visíveis vivem em grupo no mato. Eventualmente as coisas pioram, mas não é esse o ponto mais interessante desta BD…
A história é narrada por duas personagens, Keith (o rapaz) e Chris (a rapariga), o que permite ao leitor ter duas perspectivas sobre os acontecimentos e também identificar-se com as personagens. Pois provavelmente, já todos os homens estiveram na posição de Keith, apaixonados por uma rapariga que nunca terão. Assim como a maioria das mulheres também deve saber o que é estar no lugar de Chris, demasiado envolvida num relacionamento para o seu próprio bem.
Burns utiliza a doença, e as deformidades consequentes, como analogia para as dúvidas, e ansiedades, características da adolescência. É esta a verdadeira razão pela qual Black Hole é uma obra tão impressionante e impossivelmente autêntica, ao ponto estranharmos que “the bug” não estivesse presente nos nossos dias de liceu. Pois Burns consegue retratar a auto-destruição e os sentimentos de desencantamento, típicos de qualquer adolescente, através de uma doença irreal. Em última análise, “the bug” também pode ser visto como uma metáfora para a estigmatização que afecta os doentes infectados pelo vírus da sida.
Vinheta
É espantoso como em tanto tempo o autor conseguiu manter a uniformidade do traço, pois quem lê não nota nenhuma mudança a nível de estilo. A arte a preto e branco é muito detalhada e realista, vê-se que Burns deve ter dedicado imenso tempo a cada prancha, daí ter demorado 10 anos a completar a história. Em termos de planificação Burns é exímio, utilizando ao máximo as potencialidades da banda desenhada. Várias vezes as páginas são divididas para que possamos ver o que se passa, ao mesmo tempo que visualizamos o que a personagem está a pensar ou o que está acontecer noutro sítio. As passagens mais surrealistas também têm uma composição muito original, e muitas vezes transmitem ao leitor um sentimento de mal-estar. Chris Ware define a arte de Burns da seguinte forma: “There's an almost metaphysical intensity to his pinprick-like inkline that catches you somewhere in the back of the throat, a paper-thin blade of a fine jeweler's saw tracing the outline of these thick, clay-like human figures that somehow seem to "move," but are also inevitably oddly frozen in eternal, awkward poses ... it's an unlikely combination of feelings, and it all adds up to something unmistakably his own.”
Black Hole é uma BD magistral que se impõe como uma obra de referência na 9ª arte. Burns apropriou-se da iconografia própria ao mundo dos quadradinhos para criar uma obra universal, mas intrinsecamente pessoal.