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Um Catálogo de Sonhos

CapaAutor: José Carlos Fernandes
Editora: Devir

Um Catálogo de Sonhos, originalmente publicado em 1996 pela Pedranocharco, foi recentemente reeditado pela Devir. Depois de Coração de Arame, As Aventuras de O Barão Wrangel e 4 volumes de A Pior Banda do Mundo, esta é mais uma obra do prolífico José Carlos Fernandes que vem enriquecer o catálogo da Devir.
Nesta aventura surrealista, bem ao género do autor, há um catálogo de sonhos que ameaça a estabilidade de um sistema totalitário, que funciona placidamente desde que os sonhos foram abolidos. Tudo começa bem ao jeito de O Processo de Kafka, dois indivíduos acordam Cláudio Remo na tranquilidade do seu quarto e perguntam-lhe por um catálogo de sonhos que este desconhece e afirmam que ele é o Dr. Slumber. Confuso, dirige-se até à entrada do seu quarto, onde vê que realmente há uma placa com o nome de Slumber. Quando os dois indivíduos sorumbáticos saem do quarto o verdadeiro Dr. Slumber aparece debaixo da cama, é então que ficamos a saber que Cláudio não passa de uma personagem de um sonho que foi retirado do catálogo de sonhos. Ainda mais confuso e revoltado, Cláudio desaparece com o catálogo de sonhos; o que o vai pôr na mira das forças da autoridade, e dos membros da Frente de Liberação Onírica e Patriótica, que vão fazer tudo o que estiver ao seu alcance para encontrarem o manuscrito que pode ser a chave da revolução.
Neste álbum que cheira a Kafka, e é um tributo a Little Nemo in Slumberland de Winsor McCay, já se vislumbra o talento de contador de histórias aos quadradinhos de José Carlos Fernandes. Já estão presentes ideias fantásticas que parecem quase fazer parte da nossa realidade e já se nota o sentido de humor irónico de José Carlos Fernandes. A história oscila entre o mundo dos sonhos, e o kafkiano, e vai evoluindo como se fosse de facto um sonho em que o leitor mergulha. Trata-se de uma obra muito bem planificada, mas penso que a narrativa tinha potencial para mais, dá a impressão que encurtaram a história para preencher algum requisito editorial (talvez em 1996 a Pedranocahrco não pudesse acarretar os custos de um livro maior?).
A arte a preto e branco assemelha-se à de A Pior Banda do Mundo. Gostei do modo como foram pensados os quadradinhos, são utilizados livremente vários tamanhos para servir os desenhos em questão, e em determinados momentos a ausência dos mesmos foi a melhor solução (gostei particularmente do salto no vazio de Cláudio em que não há quadradinho e o resto da página está em branco, assim como da sequência da queda de Slumber). Quem já conhece o traço de José Carlos Fernandes não vai estranhar os homenzinhos barrigudos de fato que asseguram a policiamento das ruas.
Um Catálogo de Sonhos é “uma metáfora sobre o poder subversivo dos sonhos e a ameaça que eles representam para os regimes totalitários” (Público 23/11/96), e embora fique aquém de A Pior Banda do Mundo é uma obra muito interessante, onde já se notam algumas das particularidades das BD de José Carlos Fernandes.

Ferrão