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O Dobro de Cinco

CapaAutor: Lourenço Mutarelli
Editora: Devir

Quando peguei neste livro não fazia a mínima ideia que Lourenço Mutarelli é dos maiores nomes da BD brasileira contemporânea e já foi várias vezes premiado. Mutarelli começou a sua carreira nos estúdios Maurício de Sousa e nos anos 80 começou a tentar publicar as suas próprias BDs. O reconhecimento do público, e da crítica, chegaria em 1991 com o álbum Transubstanciação que ganhou: o prémio de Melhor História, do I Bienal Internacional de Quadrinhos do Rio de Janeiro, o prémio Ângelo Agostini, da Associação de Quadrinhistas e Cartunistas, e o troféu HQ-MIX. O Dobro de Cinco, publicado em 1999, introduz a sua personagem mais famosa: o detective Diomedes, e é o início de uma trilogia, publicada pela Devir, que continua em O Rei do Ponto e a Soma de Tudo (editado em 2 partes).
Diomedes é um polícia reformado que trabalha como detective privado para pôr comida na mesa até ao fim do mês. Quando Hermes bate à sua porta com uma proposta aliciante Diomedes convence-se que a sua sorte está prestes a mudar. Hermes, o filho de um milionário do café, quer que Diomedes encontre o famoso mágico Enigmo. Enigmo era o maior de todos os ilusionistas e embora ninguém saiba porquê desapareceu, e ninguém se lembra dele até voltar a ouvir o seu nome. Na sua procura pelo mago Diomedes conhece muitas personagens estranhas, a maior parte num circo abandonado, e assustador, onde ainda vivem alguns artistas que continuam a actuar todos os dias. E o que inicialmente poderia ser só mais um trabalho vai se transformar numa busca pela verdade.
O Dobro de Cinco tem todos os ingredientes de uma história policial e no entanto é uma investigação extremamente atípica. Diomedes, um gorducho de aspecto asqueroso, é a antítese de detective que se deixa enganar pelas aparências, falha redondamente no seu trabalho de campo e nem consegue descobrir o que se passa na sua própria casa.
A narrativa está dividida em vários capítulos, dedicados a várias personagens, o que permite a Mutarelli desenvolver melhor cada uma delas sem se dispersar da trama principal. Graças à ironia, e aos desígnios, de Mutarelli o que poderia ser uma ode aos perdedores transforma-se numa obra extremamente original e com um sentido de humor aguçado.
Diomedes
Embora tenha gostado da história o que mais me marcou foi o traço pesado, e detalhado, de Mutarelli. Nesta BD a preto e branco não há uma pessoa bonita, não porque os desenhos sejam feios, mas porque Mutarelli transcreve as suas personagens para o papel como se fossem pequenos monstros. Não há respeito pelas regras anatómicas, os corpos são desproporcionais e nenhuma fisionomia é agradável à vista. Diomedes (em cima) parece um Humpty Dumpty saído de um filme de terror: obeso, com pés, e mãos, minúsculos e uma cabeça gigantesca parece predestinado ao desequilíbrio. Embora não pareça gostei muito dos desenhos de Mutarelli, só que foi necessário algum tempo até ultrapassar o choque inicial de ver personagens tão feias e sem nenhum traço de beleza. Pergunto-me que visão tem o autor dos humanos…
O Dobro de Cinco deixou-me com muita curiosidade de ler o resto da trilogia de Diomedes e de descobrir o resto da obra de Lourenço Mutarelli.

Ferrão