//

As Pombinhas do Sr. Leitão

capa
Autor: Miguel Rocha
Editora: Baleia Azul (1999)

Desenganem-se os que pensavam que isto era só falar de novidades acabadinhas de sair, desta vez trago-vos um título que já tem 6 anos de pó acumulado nos baús da BD portuguesa. Miguel Rocha é um dos valores seguros dos quadradinhos lusos contemporâneos, e ganhou em 2004, com o livro Vida numa Colher – Beterraba, o prémio de Melhor Álbum Nacional no FIBDA. Depois de uma passagem de 9 anos pelo mundo da publicidade Miguel Rocha dedicou-se à arte dos quadradinhos e depois de: O Enigma Diabólico (com José Abrantes), Dédalo e Borda d’água, sai em 1999 As Pombinhas do Sr. Leitão que veio enriquecer o excelente catálogo da infelizmente defunta Baleia Azul.
As Pombinhas do Sr. Leitão evoca o ambiente opressivo que se viveu durante o Estado Novo. O Sr. Leitão é uma daquelas personagens ignóbeis que se detestam à primeira vista, é o típico burguês puritano: gordo, baixinho, de bigode, quase careca e tem umas feições viciosas que fazem lembrar um porco pronto para a matança. É um cidadão atento que procura na imprensa elementos anatómicos femininos que possam destabilizar os bons costumes, e a moral do povo português, para os relatar à comissão de censura. Além de estar sempre atento às acções da populaça na pequena comunidade onde vive. E é assim que começa a história, o Sr. Leitão está indignado por o padre ter colocado uma rapariga desconhecida a viver numa leitaria sem antes ter avisado as autoridades competentes. Ninguém sabe de onde veio e ainda por cima nem pode contar a sua versão da história porque não fala. A moça fica então na leitaria onde o Sr. Leitão se delicia todos os dias ao almoço com os seus cozinhados e à vista do seu corpo voluptuoso. A rapariga até é boa cozinheira, e agradável à vista, mas é claro que é só em nome dos bons costumes que o Sr. Leitão decide levá-la para sua casa contra a vontade de todos. No entanto a mulher dele sabe qual o destino da rapariga pois não é a primeira “pombinha” que ele leva lá para casa… Mas esta é uma história passada durante o Estado Novo e portanto a família da leitaria mostra-nos as provações que o povo sofria na altura, principalmente nas mãos das autoridades policiais absurdas, ridículas e ineficazes retratadas por Rocha.
Em termos gráficos Miguel Rocha não foge ao que já nos habituou com os seus desenhos a pastel que servem perfeitamente os recursos narrativos. Gosto deste tipo de desenho que não é “limpinho” como o dos comics de super-heróis, que mostra a visão do autor e a atenção dedicada a cada página. No entanto é a técnica de coloração, utilizada por Rocha de maneira exímia, que contribui em grande parte para dar o tom a esta BD. A utilização quase exclusiva de cores escuras, e acinzentadas, transmitem-nos o ambiente tirânico da época e a tristeza que inundava a vida de grande parte das pessoas. As raras excepções em que surgem cores mais vivas, e quentes, marcam sinais de esperança ou de pureza no ambiente oprimente do Estado Novo.
Embora seja uma história de ficção, e não tenha pretensões didácticas, é interessante ler uma BD cuja acção se desenrola durante o Estado Novo e que se esforça por transmitir de forma fidedigna o ambiente vivido na altura. Aconselho vivamente este trabalho de Miguel Rocha. É difícil encontrar este livro em livrarias mas se forem à biblioteca de Telheiras encontram lá um exemplar, ou se o quiserem comprar ainda faz parte do catálogo da Central Comics .

Ferrão