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Apontamentos de um bedéfilo em Bordeaux

Isqueiro XIIEmbora tenha estudado em Bordeaux durante dois anos é impossível não ficar impressionado com o panorama bedéfilo francês cada vez que lá volto. O mercado de BD franco-belga não tem nada a ver com o nosso pequeno microcosmo editorial; existe uma quantidade enorme de lançamentos mensais de material exclusivamente produzido em terras francófonas que chega para fazer concorrência ao mercado americano. Embora as séries não sejam mensais, e na maior parte das vezes avancem a um ritmo bastante lento, os editores apostam na diversidade e quem quiser comprar BD mensalmente encontrará sempre livros diferentes ao seu dispor. Embora os títulos franco-belgas devam representar qualquer coisa como 60-70% do mercado de BD francês, os mangás ocupam uma parte muito importante das vendas. Imagino que os nossos otakus lusitanos ficassem loucos se a oferta de mangás em Portugal fosse 1/10 da que existe em França. Desde as séries mais mainstream, a material mais obscuro, é possível encontrar uma grande variedade de mangás em francês graças às diferentes editoras que apostam na sua publicação. Os mangás não são um subgénero da BD em França mas sim um concorrente directo do material produzido na língua de Baudelaire. Basta ver o número de pessoas que estão nas FNAC sentadas no chão a ler mangás (e não só) e o número de revistas temáticas dedicadas às artes visuais nipónicas. Sabendo que os franceses não são nada amigos do inglês e que não valorizam muito os USA não é de estranhar que os comics não tenham a mesma importância que têm noutros países. No entanto, é possível encontrar muita coisa traduzida em francês e a preços muito acessíveis, um híbrido TPB/franco-belga (do tamanho de um comic, mas com 4 ou 6 números e capa dura) é capaz de custar 10-12€… Além disso a oferta de comics traduzidos em francês é muito diversificada, podemos encontrar o mais recente título dos X-Merda (ou de qualquer outro super-herói na moda) e mesmo ao lado Bone, Stray Bullets, The Goon ou uma colectânea de histórias de Batman dos anos 70.
Obviamente com tanta oferta os pontos de venda não são poucos. No centro de Bordeaux, que é uma pequena cidade em comparação com Paris, existem 3 lojas especializadas em BD (podem ver a BD Fugue na foto), 2 lojas de BD em 2ª mão e obviamente as enormes secções de BD da FNAC, Virgin e Mollat (a maior livraria onde já entrei). As lojas especializadas são a perdição de qualquer fã de BD pois além de terem um vasto stock de BD (franco-belga, mangá, comics…), têm ainda imensas figurinhas, posters, primeiras impressões a preto e branco autografadas, volumes com histórias integrais (que nem sempre são fáceis de encontrar) e os magníficos “coffrets” com vários números da mesma colecção. As lojas de BD em segunda mão são excelentes, pois não têm só o refugo que mais ninguém quer ter em casa, e fazem óptimas promoções para quem quiser comprar histórias completas. Como podem calcular não voltei de mãos a abanar…
BD Fugue
A quantidade de títulos à disposição dos leitores é impressionante, mas o estatuto que a BD ocupa na sociedade francesa, enquanto arte a tempo inteiro, é ainda mais chocante para um leitor luso. Por exemplo, é normal haver publicidade na rua para o grande lançamento do momento (agora era para o Petit Bleu de la Côte Ouest do Tardi);e também se encontram à venda raspadinhas ou isqueiros da popular série XIII nas tabacarias. É também normal chegarmos à FNAC e haver gente de todas as idades a ler BD; fiquei surpreso com o número de raparigas que lêem mangas. No que diz respeito às revistas especializadas o leitor francófono tem também muito por onde escolher: Bo Doï, Bédéka, Bandes Dessinées Magazine e a mais recente Bulldozer.
BD FugueA revista mensal Bulldozer é um mimo para os fãs de BD: 96 páginas a cores, papel luxuoso e um grafismo muito agradável. Nascida das cinzas do excelente DBD (Les Dossier de la Bande Dessinée) esta revista aposta em abordar alguns temas menos convencionais e pretende que os seus leitores: “Não vão ler BD como antes”. A forma é muito agradável (todos os artigos estão recheados de desenhos) mas o conteúdo não lhe fica nada atrás. A abrir a revista encontram-se várias pranchas de BDs ainda em produção, em seguida a secção “Tableau des étoiles” analisa os lançamentos do mês (franco-belga, mangá e comics) e os títulos com as melhores pontuações merecem um destaque especial. A parte mais interessante da revista é o “Abécédaire” em que um autor vai falando da sua carreira de letra em letra, neste número 1 o entrevistado é Tardi. Há ainda espaço para falar de novos talentos em “Profil”, para entrevistar personalidades, que não são do mundo da BD, sobre a sua relação com o mundo dos quadradinhos e para “Les fiches du professeur Triberi” que fazem uma retrospectiva sobre um “grande” autor de BD (neste número 1 era André Paul Duchâteau). Gostei muito desta revista que contem temáticas muito variadas, e pertinentes, e penso que vou ser dos primeiros assinantes portugueses.