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A Pior Banda do Mundo Vol.1: O Quiosque da Utopia

descriçaoAutor:José Carlos Fernandes
Editora: Devir
Antes de mais tenho de confessar que não vou ser imparcial na minha crítica do primeiro volume de “A Pior Banda do Mundo” (publicado pela Devir) porque considero que esta é das melhores séries de BD a serem editadas neste momento e o José Carlos Fernandes um génio que transforma quadradinhos de desenhos em poesia em movimento.
“O Quiosque da Utopia” (vencedor do prémio de Melhor Álbum Português, atribuído pelo Festival Internacional de BD da Amadora em 2002) introduz-nos a fantástica cidade sem nome, povoada pelos mais bizarros personagens, onde se desenrola a história de “A Pior Banda do Mundo”. O álbum é composto por 32 histórias curtas de 2 páginas onde imperam cores amareladas e ocre, sendo o preto a única tonalidade que foge à regra. O traço de José Carlos Fernandes é seguríssimo e há algo de caricatural na forma como desenha as personagens que faz sobressair a personalidade, ou preocupações, de cada um.
Embora o desenho contribua muito para estabelecer o ambiente desta série é a narrativa de José Carlos Fernandes que a torna tão grandiosa. A banda que ensaia há trintas anos na cave de uma alfaiataria, que nunca actuou ao vivo e que nunca tem todos os elementos a tocar a mesma música é o convite para entrarmos neste mundo irreal que tem tantas semelhanças com o nosso quotidiano. Embora sejam histórias separadas os destinos das várias personagens vão-se cruzando o que nos permite ter uma visão alargada da cidade e da sua geografia. Nesta cidade com nomes de pessoas, e ruas, que fazem vagamente lembrar sonoridades russas, ou da Europa de leste, existe todo o tipo de profissões inverosímeis (tais como serrilhadores de selos, compiladores de coincidências, adivinhos de situações obscuras…), publicações sobre a jet set caída em desgraça (leia-se desfigurada e mutilada), indústrias improváveis (como a de lipo-sucção nacional que ocupa 80 hectares), personagens que sofrem de “irrealidade crónica”, ou que querem sonhar os sonhos de outras pessoas, e inventos incríveis como o que permite eliminar memórias. Além disso há uma quantidade incrível de referências culturais (o saxofonista da banda chama-se Zorn, por exemplo) que mostram a invejável bagagem cultural do autor.
José Carlos Fernandes tem um humor muito fino que se traduz numa ironia que mostra que este mundo é o espelho do ridículo do nosso: a passagem das estações é marcada pelo tipo de publicidade exposta nas ruas (no verão a campanha da indústria de lipo-sucção), um detector de mensagens satânicas em discos tocados de trás para a frente descobre apenas que: “Como pode ser que os dias passem tão devagar e os anos tão depressa?”, pessoas que sonham com todo o tipo de possibilidades mas que acabam por não fazer nada…
Aconselho vivamente a leitura desta série, já com 4 números publicados, que é uma obra maior da banda desenhada contemporânea e uma viagem a um mundo utópico, mágico e sempre tão irónico que mais não é do que uma visão alucinante do nosso…

Ferrão