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Os Mestres Cervejeiros Vol. 1: Charles,1854

CapaArgumento: Jean Van Hamme
Desenho: Francis Vallés
Editora: Edições Asa (edição portuguesa); Glénat


Van Hamme é, sem dúvida, dos escritores mais activos na cena franco-belga e no seu caso quantidade é sinónimo de qualidade. Na década de 70 trocou uma carreira na área do marketing pela escrita e, desde então, os sucessos acumulam-se. Actualmente assegura a escrita de três grandes séries (cada uma mais emblemática que a outra): Thorghal (fantasia bem ao estilo de Conan, desde 1977), XIII (policial, desde 1984) e Largo Winch (aventuras financeiras, desde 1990). Além destas séries assinou inúmeras BDs, das quais destaco: O Grande Poder do Chninkel, Western e dois álbuns de Blake e Mortimer. A série Os Mestres Cervejeiros foi inicialmente escrita em 1981 para a televisão belga, mas só depois da BD publicada é que a série de TV veio a ser produzida.
Tal como Émile Zola fez com a saga familiar dos Rougon Macquart, Van Hamme segue a história de uma família ligada ao mundo da cerveja. Cada número é dedicado a um elemento da família e à evolução da indústria cervejeira desde 1854 até à época das multi-nacionais e da globalização. O álbum começa com uma introdução muito interessante que nos põe a par da conjuntura cervejeira da época. 1854, Charles é um noviço belga, mais por necessidade de fugir à pobreza do que por vocação. Há muito que os frades belgas sabem como fabricar boa cerveja e é na abadia que Charles aprende a fabricar cerveja. Mas a carne é fraca e Charles não resiste ao charme de Adrienne, por isso tem de abandonar a abadia e voltar à sua cidade natal. Em Dorp a vida é dura e o trabalho na fábrica de cerveja (governada pelo infame De Ruiter) é muito e mal pago. Charles recusa-se a voltar para as condições miseráveis de onde fugiu e vai convencer o seu abastado amigo de infância, Franz, a montar uma pequena fábrica de cerveja. E assim começa um combate sem tréguas com De Ruiter que pretende manter o monopólio cervejeiro da cidade.
Muito bem documentada, e de um rigor histórico exemplar, esta série transporta-nos para o mundo particular da indústria cervejeira e permite-nos ter um panorama da evolução das nossas sociedades industrializadas. Em 1854 existiam inúmeras empresas de cerveja e podemos observar a dificuldade que era montar um novo negócio nessa altura. Além disso, neste volume Van Hamme retrata fielmente a vida dura que os operários levavam no século XIX e prepara já o caminho para os acontecimentos do número 2. Há algo nesta história dramática que faz lembrar os romances naturalistas do século XIX; sobre um fundo religioso e uma história de amor pelo meio, assistimos à enorme ambição de um jovem que está disposto a sacrificar tudo em nome do sucesso. E não querendo estragar a leitura de ninguém, posso-vos dizer que o final deixa qualquer um boquiaberto e chocado.
Se o argumento de Van Hamme é grandioso o mesmo já não se pode dizer dos desenhos de Vallés. Não quero com isto dizer que os desenhos sejam maus, porque não são. Mas Vallés desenha num estilo clássico, e realista, que não espanta ninguém que esteja habituado à BD franco-belga.
Ao longo de toda a sua carreira Van Hamme já deu provas suficientes do seu talento, mas com esta série conseguiu surpreender-me. De todas as BDs de Van Hamme que já li (e não são poucas) esta série foi das que mais gostei. Uma excelente BD histórica que retrata a evolução das nossas sociedades modernas, que mete cerveja pelo meio e desenhada no bom estilo franco-belga. Só faltava que trouxesse uma cerveja Steenfort a acompanhar…