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Le Combat Ordinaire nº1

CapaAutor: Manu Larcenet
Editora: Dargaud


Para quem deu os seus primeiros passos na BD em 1994 Larcenet tem um currículo incrivelmente extenso. Iniciou a sua carreira na revista francesa Fluide Glacial (onde criou, entre outros, o 007 cómico: Bill Baroud) e já assinou mais de 30 álbuns de BD. Sendo da escola da Fluide Glacial não é de estranhar que a maioria dos seus títulos sejam comédias (ver Le Retour à la Terre, Donjon Parade, La Legende de Robin dês Bois, etc…). No entanto, o título que o lançou para a celebridade em terras francófonas, e que lhe valeu o prémio de melhor álbum no festival de Angoulême 2004, foi precisamente Le Combat Ordinaire, o seu trabalho mais sério e pessoal até à data. É inquestionável que no mundo da BD existem várias obras que atingem a genialidade pelas suas qualidades literárias e/ou visuais. No entanto, não conheço muitas BDs que tenham a capacidade de tocar os sentimentos do leitor, e isto sem entrar no domínio do ridículo. Le Combat Ordinaire é uma dessas BDs.
Larcenet resumiu este álbum da seguinte forma: “É a história de um fotógrafo cansado, duma rapariga paciente, de horrores do dia a dia e de um gato chato”. Marco, a personagem principal, é o fotógrafo e está cansado de percorrer o mundo à procura de “cadáveres exóticos”. Há anos que tenta exorcizar os seus demónios, e os ataques de pânico que o assombram regularmente, através da psicanálise, mas sem resultado. Farto da vida que leva, Marco decide trocar Paris por uma casa no campo. Mas, antes disso, conhecemos os seus próximos: o irmão de Marco (que lhe propõe um remédio, segundo ele, mais eficaz que a psicanálise para arejar o cérebro: fumar ganzas e jogar playstaion) que ficou em Paris com a sua esposa indulgente; e os pais de Marco: um velhote com problemas de memória e uma mãe, chata como se quer, mas sempre preocupada. No campo espera-o Adolf, o seu gato, que foi assim baptizado devido ao seu carácter difícil. É graças a Adolf que Marco vai conhecer Emilie, a simpática veterinária que depois de tratar do gato se vai interessar pelas feridas existenciais do dono. Para completar o lote de personagens só falta o pescador castiço, o único amigo que Marco tem no campo, que se revela uma caricatura da França profunda que vota Front National e se lembra saudosamente da guerra da independência argelina. Marco parece ter reunido todas as condições para um novo começo no seu retiro campestre, mas os seus medos e as crises de pânico, paralisam-no no momento de tomar decisões.
Esta é a história de um homem saturado da sociedade onde vive e que decide isolar-se do mundo. É o eterno tema da procura de si mesmo, da passagem à idade adulta e de todas as angústias de quem se interroga sobre o sentido da nossa existência. E é aqui que Larcenet é prodigioso, pois consegue abordar estes temas tão complicados de uma forma ligeira, humana e por vezes cómica. O tom intimista deste álbum contribui em muito para este facto, é difícil não nos identificarmos com esta personagem vulnerável e neurótica que fica apavorado com a sugestão da sua namorada de terem uma vida de casal ordinária.
O traço é típico de Larcenet, divertido e despretensioso, chega a ser tão simples que pode parecer infantil. Só que a simplicidade do traço cola perfeitamente com a personagem de Marco. As personagens são muito expressivas, basta ver a cara de cada um para percebermos imediatamente o seu estado de espírito e muitos dos efeitos cómicos são conseguidos graças à expressão facial das personagens. Além disso, Larcenet alterna páginas coloridas, onde é retratado o quotidiano de Marco, e páginas em tons sépia, onde o herói se abandona às suas reflexões sobre a condição humana.
A história banal de Marco, o seu combate contra si próprio, as suas angústias, as suas interrogações, os seus sentimentos e as suas reflexões tocam inevitavelmente o leitor. A magia desta história tão humana reside no facto de não ter qualquer tipo de pretensão, de conseguir equilíbrio perfeito entre comédia e filosofia, e de nos deixar com um sorriso bem disposto quando acabamos de ler a última página. Adorei e recomendo sem qualquer restrição esta obra-prima da 9ª arte (só falta que alguém traduza isto para português).

P.S: Le Combat Ordinaire nº2 está ao mesmo nível deste 1º tomo.