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Paul Auster's City of Glass

CapaArgumento: Paul Auster (Romance)
Adaptação: Paul Karasik e David Mazzucchelli
Editora: Picador

Este City of Glass é a adaptação para os quadradinhos da primeira história de A Trilogia de Nova Iorque, o livro que lançou Paul Auster para a fama. Foi com esta história que começou a minha relação duradoura com os excelentes livros de Auster e por isso confesso que quando vi este livro à venda fiquei entusiasmado, mas não o suficiente para deixar de pensar na necessidade de passar para BD um romance tão bom. Esta dúvida é também partilhada por Art Spiegelman (Maus) que escreveu na introdução para esta reedição:
“I couldn’t figure out why on earth anyone should bother to adapt a book into . . . another book!”.
City Of Glass foi originalmente publicado em 1994 (e nomeado para os Eisner e Harvey Awards nesse ano) pela Avon Books para começar uma colecção de graphic novels respeitáveis (Neon Lit) baseadas em obras literárias. Escolhido pelo The Comics Journal como um dos 100 melhores comics do século, este é um daqueles títulos de culto desaparecidos que graças à Picador voltou com cara nova em 2004.
City of Glass é, como Auster gosta de lhes chamar, uma das suas “broken men stories” (como o Livro das Ilusões ou Leviathan). Daniel Quinn era um poeta promissor, mas quando a sua esposa, e o filho morreram, decidiu desaparecer e passou a escrever policiais sob o pseudónimo William Wilson. Daniel passou a viver sozinho e a sua única distracção era escrever os romances policiais do detective Max Work, até ao dia em que recebe uma chamada enganada a meio da noite. A pessoa que lhe ligou queria falar com o detective privado Paul Auster e Quinn decide entrar no jogo e faz de conta que é Auster. No dia seguinte conhece Virginia, e Peter Stillman. Peter é um homem desfeito que fala por charadas. Ele é o resultado das experiências do pai, também chamado Peter Stillman, que o fechou, ainda criança, durante 9 anos numa sala sem luz e sem qualquer contacto humano, tirando os abusos ocasionais do pai. Peter Stillman, pai, era um professor universitário obcecado em descobrir uma linguagem que unisse os objectos às palavras, restaurando assim a linguagem original de Deus, e usou o filho para realizar as suas experiências. Quando tudo falhou pegou fogo à casa e aos seus apontamentos, mas o filho conseguiu fugir, e enquanto ficou internado num hospital psiquiátrico, o pai foi preso. Os Stillman pediram ajuda a Auster/Quinn porque o pai vai ser libertado e querem que ele o siga para terem a certeza que não volta para atormentar Peter. É uma narrativa bem ao jeito de Paul Auster em que a história inicial pode sempre conter outra história escondida.
O problema de passar isto para quadradinhos é que City of Glass não é propriamente uma história muito visual: as sequências de acção não abundam, há uma grande quantidade de diálogos e grande parte da história envolve Quinn e os seus pensamentos. Felizmente o trabalho de Karasik e Mazuchelli é impecável. David Mazzucchelli destacou-se no mundo dos comics mainstream, durante os anos 80, graças ao seu estilo inovador e pelo seu trabalho com Frank Miller em Daredevil: Born Again e Batman: Year One. Pouco depois de Year One Mazzuccheli abandonou os comics de super-heróis, demasiado limitativos para o seu gosto, e enveredou por caminhos mais experimentais. Em 1994 voltou à banda desenhada com este título mas encontrou dificuldades em transformar o texto de Auster em quadradinhos.Arte Interior É aqui que entra Karasik, ex-aluno de Spiegelman, com a sua proposta de usarem uma grelha de nove quadradinhos para cada página de modo a recriarem visualmente a rígida estrutura da narrativa de Auster. Mazzucchelli adoptou esta grelha mas alargou, e alongou, os quadradinhos da grelha (juntando-os) conforme as suas necessidades. O mais impressionante nesta adaptação é a forma como os artistas lidam com as sequências que em principio seriam mais difíceis de transcrever para os quadradinhos, por exemplo, durante os diálogos é frequente haver uma divagação visual sobre o que está a ser discutido mas sem mostrar os interlocutores da conversa. A sequência em que os desenhos entram progressivamente para dentro de Stillman enquanto este conta a Auster o que o pai lhe fez, é inesquecível. É incrível como os desenhos a preto e branco de Mazzucchelli são austeros e produzem um efeito marcante na forma como percepcionamos Quinn e a sua aventura, sem a utilização de grandes subterfúgios visuais utilizados noutro tipo de BD.
Embora tenha ficado com a inevitável sensação de que se perde parte da magia de Auster nesta adaptação, gostei muito desta BD que me mostrou uma forma muito original de utilizar os recursos visuais. O resultado final é mais do que uma mera adaptação de um romance, é uma grande obra de BD em que os desenhos são mais do que um mero complemento das palavras. Em suma, aconselha-se a todos os apreciadores dos romances de Auster e a quem procure dilemas metafísicos enclausurados em quadradinhos. Encontra-se à venda na FNAC.

Ferrão